Foi fácil dizer Adeus?

Os anos de 1980 e 1983 são ótimos. Os onze anos comprimidos entre 1977 e 1988 são sensacionais. Por diversos motivos. Oitenta e oito foi o ano do primeiro título do Senna na Fórmula 1, e setenta e sete foi o ano que eu nasci. São dois exemplos marcantes pra mim. Oito três do Campeonato Mundial do Grêmio, meu time do coração, mas e o 80 redondo? O número por si só já é emblemático, um ícone do limite, castrando nossos pés ávidos por velocidades que outrora eram altas para nossos carros e que hoje são aparentemente inofensivas. O numeral no velocímetro de vários carros é destacado, em vermelho.

Painel da Jô. 80km destacado em vermelho.

Então foram nesses anos que a Brasília, mais comumente conhecida como Blue, e a Parati que chamamos de Jô, foram fabricadas e começaram suas longas histórias. Dia desses o Cris, que frequenta a oficina do Master Márcio, e tem uma Kombi disse “seria legal saber todo o histórico do teu carro antigo, pra saber por onde ele andou o que foi feito…”. Eu perguntei “tu iria querer que a tua mulher soubesse por onde tu andou por toda a tua vida e o que tu fez durante esse tempo?”. Rapidamente negativou a sua própria ideia.

Blue na primeira saída oficial dela.

É bom saber o que aconteceu, desde que não tenha acontecido nada. Caso contrário, aquela frase “a ignorância é uma dádiva” sempre é a opção melhor. Quem sabe menos, sofre menos. Quando o meteoro caiu na terra e extinguiu os Dinossauros é quase certo que eles não tinham ideia do que era aquilo, nem que iriam morrer, tão pouco o que era morte.

Tentei sempre não pensar o que haviam feito com os carros antes deles chegarem até mim. Quando olhava algo bem feito pensava “que bom”, quando estava mal tentava entender o motivo. O conceito de bem feito é amplo, e peça certa mal instalada funciona menos que uma gambiarra bem feita.

Todavia, deixemos as explicações e vamos aos fatos.

Blue e Jô, no dia que buscamos a primeira na pintura.

Blue e Jô seguiram seus caminhos. Dois carros legais e divertidos. Blue chegou como Ratlook e foi quase 100% reformada. De certa forma cumpri uma missão ali, salvar o carro, tentar dar um futuro melhor. Pagou o preço por ser meu primeiro carro pra fuçar e sofreu nas reformas ficando mais tempo sem uso do que andando. Hoje seria bem diferente a abordagem. Não me arrependo, só faria de outra forma, porém o Eu de 2016 sabia NADA sobre carro antigo. Nesses seis anos comendo grama aprendi várias lições que só tomando porrada você aprende.

Jô com as Snowflakes 15 polegadas.

A Jõ chegou muito mais pronta. Um carro de estrutura muito boa. Quando eu parei no posto a primeira vez pra abastecer com as Snowflakes o frentista olhou e disse “pintura original?” fazendo uma cara de “carai… tá bonita”. As rodas chamavam muito a atenção pra ela. Não era nova, mas estava muito boa. A Parati 1983 era excelente de dirigir, era um carro. Desde o acelerador que não é fixado no chão como o trio Fusca/Brasília/Kombi, passando pelo câmbio curtinho de trocas justas e precisas, direção leve, seguindo pelo motor refrigerado a água e suspensão moderna. Tudo era muito bom. É fácil entender porque fez tanto sucesso durante tanto tempo.

Se em 2016 eu sabia nada, em 2020 sabia bem mais, só não sabia da pandemia. Quando comprei a Jô, fevereiro de 2020, já tinha estourado tudo isso que até hoje vivemos, porém não tinha chegado ao Brasil ainda. Oficialmente. Um mês depois tudo parado, todos trancados e sem saber do futuro certo fiquei com um carro pra melhorar e sem verba. O que vimos desde aquele março foi algo digno da década de 80, inflação absurda, desabastecimento e caos controlado. Se você vender um produto por 100 hoje amanhã você precisa de 105 pra comprar o mesmo. As peças de carros dobraram, com sorte, ou triplicaram. Gasolina saiu da casa dos 4,80 para quase 7 reais o litro.

No mercado.

Muito do que eu tinha programado pra Jô ficou pelo caminho, eu e ninguém tinha a menor ideia do que ia acontecer. A primeira coisa que pensei é que minha renda diminuiria. Em curto prazo nossa renda familiar caiu mais de 40%. Não passamos qualquer necessidade, vale dizer, não estou reclamando, apenas constatando. Nesse panorama, de menor renda dentro de casa e peças subindo de preço absurdamente, pensei que reduzir o número de carros era o melhor. Só que não consegui vender nenhum. Nem tentei.

Nessa de ver como iria ficar, tanto Jô, quanto Blue ficaram mais tempo paradas do que andando durante os dois anos entre Março de 2020 e Março de 2022. No começo eu andava de Parati direto. Tudo que era lugar. Mercado, Ferragem, agropecuária… tudo. Depois quando fomos trocar o cabeçote dela, do meio do ano pro final, ficou parada por longos 9 meses. Foi quando bateu a depressão dos carros.

Problemas na pintura.

Acelerando até Fevereiro desse ano… Blue precisava de uma corrigida em alguns problemas na pintura. Algo que o “pintor” não quis fazer. Essa é outra história. Eu esperava arrumar isso para colocar ela a venda. Já estava ciente de que não adiantava ficar com ela, não conseguia andar. Pra estragar parada, era melhor vender pra que alguém estragasse andando.

Nesse meio tempo surgiu um negócio para elas, em troca eu pegaria uma Kombi Vovozinha. Nunca quis ter uma, aconteceu. E se pensar bem eu não queria uma Brasília, eu queria as rodas, acabei comprando um carro pra fuçar. Não queria uma Parati, queria um carro pra comprar e fazer dinheiro. A ideia era que servisse de degrau para buscar o Gol BX, aircooled como os outros. Nesse caso, para mudar de ares, e diminuir um carro, acabei aceitando a ideia de ter mais uma Kombi.

Brigitte. No parque de diversões.

Foi fácil dizer Adeus?

Nunca é, porém olhando de uma forma bem objetiva, foi mais fácil do que dizer o “vem comigo”. No final das contas ter novas experiências é o que nos leva adiante. Um dia tenho certeza que vou dizer numa conversa: “eu tive uma Brasília 80”, “eu tive uma Parati quadrada”, “eu tive uma Kombi vovozinha”. Tentarei não soar muito melancólico ou saudosista. Talvez não consiga, a grama do vizinho é sempre mais verde e o passado sempre melhor, mas vou tentar.

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